Apresentação

O grupo de gênero se insere na discussão do poder de uma sociedade machista e ter um marco emancipatório para a participação política das mulheres, tendo-as como sujeito. Debatendo o cotidiano, as relações familiares e/ou privadas, às relações institucionais da economia, da política e da cultura e suas dimensões objetivas e subjetivas simultaneamente. Este GT reúne os pontos de cultura que atuam na perspectiva da emancipação feminina, na luta contra a opressão e a violência contra as mulheres e pela afirmação da igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O movimento trans produz críticas à dominação de gênero


Rita Colaço
Crédito : Reprodução
 Por Rita Colaço - O texto que escrevi semana passada comentando a entrevista que a modelo internacional Lea T concedeu ao Fantástico gerou debates – como desejável, pelo tema abordado.  
A fala da modelo me fez recordar o quanto essa discussão – da violência simbólica presente no sistema de gênero, suas dinâmicas e reproduções irrefletidas – havia sido abortada pela primeira geração de ativistas do movimento homossexual (LACERDA apud SILVA, 1998, p. 36). Le
mbrei-me do quanto se estabeleceu uma espécie de dogma em torno da desesperada busca por um feminino ideal, um feminino determinado desde fora; da busca alucinada que tem levado mulheres ditas “cis”, travestis e mulheres transexuais a resumir todo o projeto de suas existências nessa ânsia inatingível. Lembrei-me das deformidades, mutilações e incontáveis mortes causadas pelo uso do silicone industrial e da ausência de críticas a essa corrida desesperada ao feminino idealizado e imposto. Mortes também contabilizadas entre as mulheres “cis”, em sua desenfreda busca pelo “corpinho sarado”.
Para expressar minhas percepções, produzi o texto "Lea T põe o dedo nas feridas do sistema de gêneros", publicado aqui no Brasília em Pauta.

Houve quem concordasse, houve quem divergisse. A crítica mais contundente veio do ativista interssex e pesquisador argentino Mauro Cabral.

Ele escreveu:
"Me parece que la que atrasa 30 es Rita Colaço. No puedo creer que escriba que "...ninguém jamais ousou questionar a ordem simbólica que levou e leva milhares de transexuais pobres à morte pelo uso indevido de silicone industrial? Por que todos se limitaram e se limitam a reivindicar a cirurgia como a grande panacéia para todas e todos?" Me parece que esa afirmación revela la absoluta ignorancia de la autora respecto de la producción crítica trans. Lamentable."

Disse ainda Mauro Cabral: “Y, como dije antes, usar el ejemplo de Lea T para decir que en Brasil nadie ha dicho nunca nada en 30 años es como usar de ejemplo a Pamela Anderson para decir que el feminismo norteamericano nunca debatió los estereotipos de género."

Mauro ainda me fez a gentileza de trazer alguns links que corroboram sua assertiva. Por meio deles eu pude rever meu ponto de vista e concordar com ele que, sim, eu fizera afirmativas generalizantes e inconsistentes.

A partir dessas fontes trazidas pelo Mauro, pude perceber que, sim, já há vozes dissidentes dentro do movimento trans. Ainda que minoritárias, como o próprio Xande (Alexandre Peixe dos santos) reconhece, mas que fazem a diferença – a total diferença:

Não se trata em absoluto em supor que existam apenas esses dois pontos de vista. O movimento trans, como o lésbico e o gay, e aquele que busca construir a luta conjunta e se apresenta na cena pública através da sigla LGBT, possuem posicionamentos diversificados – o que é, de meu ponto de vista, sinal de vitalidade. Trata-se de reconhecer publicamente o erro de minha afirmação, pois generalizante e desatualizada.

Mauro, com a sua crítica, me fez sentir muita alegria. - Jamais me alegrei tanto em reconhecer um erro.

*
 


Tenho muita alegria em ler textos como os de Aline Freitas, pois vão no mesmo sentido daquilo que Lea T buscou comunicar em sua entrevista para o Fantástico. Mas não posso de maneira nenhuma silenciar diante de vozes que tentam desqualificar as críticas formuladas pela top model, sob o triste argumento de que ela “não domina a teoria do gênero”. Como sustentei nas redes virtuais, um tal discurso apenas reproduz e reafirma o mesmo mecanismo da violência simbólica a que esses segmentos tanto tem sido alvo ao longo da história – agora pela via do discurso de autoridade.

Embora denunciando vigorosamente semelhante equívoco, não deixo de me revigorar diante de vozes como as de Xande (A Patologização da identidade de gênero: Debatendo as concepções e as políticas públicas), Aline Freitas (traduzindo "Eu não sou minha cirurgia" e no autoral "Mulheres trans e o movimento feminista") e Janaína Lima (a quem ouvi proferir uma essencial crítica ao sistema de gêneros em Brasília, por ocasião da I Conferência Nacional para Políticas LGBT, no ano de 2008). São vozes que, junto com Lea T, ousam contestar a normatividade do gênero, do estilo de gênero e da orientação sexual - inclusive no interior do próprio segmento. Ainda que algumas delas por vezes incorram na reprodução da lógica da desqualificação.

Através de Mauro Cabral, me congratulo com as e os transexuais brasileiros que já se encontram a produzir esses questionamentos fundamentais, e me retrato publicamente com os e as ativistas trans do Brasil, por haver proferido afirmações desatualizadas.


*Rita Colaço é graduada em Direito, mestre em Política Social e doutora em História Social.

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